mainieri's

terça-feira, janeiro 31, 2012

Tarja preta






deixe-me ser louco
no oco do mundo

já estou internado
dentro de mim

sem indicativo de alta.


Ricardo Mainieri
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uma homenagem pós-moderna
ao heterônimo Álvaro de Campos

quinta-feira, janeiro 26, 2012

(Di)verso






Verto
um verso
diverso.

Venço o adverso
e oferto
um (uni)verso
de palavras vagas.

Outro mundo
fecundo
de sementes.

Na espera
colheita poética
tardia.


Ricardo Mainieri

segunda-feira, janeiro 23, 2012

Pura seda






da cronista carioca Rosa Pena


Ele entrou em minha vida pela porta da minha carência.

Minha existência estava um caos. Meu coração parecia uma lata de lixo: garrafas vazias de ilusões, jornais velhos de esperanças, cacos de amores passados.

Achei que desta vez seria quase eterno. Meu estado de alma valeria uma nota no jornal: “Mulher tocada pela vertigem da paixão.”
Hoje, a manchete seria diferente...

Lembrei-me do programa Fantástico, que falava sobre manual de instrução para eletrodomésticos.

Outro dia, li o da minha máquina de lavar. Ela é fraca, sempre apresenta defeitos. Como o meu coração, esse também não é uma Brastemp.

Atentei que existem dois comandos: automático e manual. Peças pesadas, peças leves. Sempre usei o automático. Aperto um botão e sai funcionando sozinho. Muitas roupas já desbotaram, outras mancharam, algumas rasgaram. A maioria teve seu tempo de uso extremamente diminuído.

A pressa enfeiou-as. Estragou-as.

Ah... as minhas relações com o amor são parecidíssimas. Sempre esqueço que existe o botão das peças delicadas. Com ele é permitido regular a lavagem. Ficam um pouquinho de molho, torcem devagar e não centrifugam para secagem rápida.

Então, percebo que o amor é pura seda.

Não deve sequer ser levado à máquina. Lava-se com a mão, bem devagarinho. Não se torce; usa-se um sabonete delicado; deixa-se secando ao tempo, sem pregadores, para não marcá-lo.

A opção manual dá mais trabalho, mas permite que se usufrua por muito mais tempo da beleza original.

Perdi há pouco uma lingerie linda. Rasgou.

O amor que entrou tão de repente, pela porta da frente, foi tratado como brim. Centrifuguei demais. Ficou cheio de marcas, esgarçado. Desbotou em semanas.
Ontem, rasgou-se definitivamente.

Saiu pela porta dos fundos, para a lixeira. Foi fazer companhia aos outros cacos que lá estão.

Estranhamente não chorei. Estou ficando acostumada.

“Je ne suis jamais seul avec ma solitude”

George Moustaki

Ele diz que nunca fica só, pois tem a solidão ao seu lado.

2003
livro PreTextos
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Conheça mais da prosa desta cronista
carioca neste endereço: clique aqui

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Pós-guerra







A Praça Otávio Rocha
amanheceu despida.

Brutos estupraram
a vegetação.

No entanto
vestígios foram vistos.

Como num pós-guerra
jaziam galhos agonizantes
& troncos decepados.

Morte em meio ao centro da cidade.

A barbárie venceu à civilização
pretensa modernidade
maquiada por interesses infames.

Mas vozes não calam
e o poema é espelho
para que todos os justos se mirem.


Ricardo Mainieri

segunda-feira, janeiro 16, 2012

Pedra sobre pedra






Reconstruo-me
a cada fim-de-semana

fibra por fibra
sonho por sonho

rumo ao portal
de um outro dia.

Enfrento o trânsito
o transe dos outros

dos que não despertaram
para o novo dia

para a vida quem sabe.

Estranho a esse universo
folheio revistas & jornais

mesmas páginas repaginadas
mesmas notícias escuras.

O ócio entrou em exílio
e mora quem sabe
nalguma praia paradisíaca

me restam o mesmo rosto
as mesmas rotas de fuga

simples retalhos
desta realidade
maquiada & envelhecida.


Ricardo Mainieri

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Cotidiana





Como nomear
sentimentos inumeráveis?

Dimensionar de imediato
os aposentos da alma?

A vida segue
seu ritmo ordinário
alheia a toda reflexão.

Dividido
entre o etéreo & o estéril
prossigo.


Ricardo Mainieri

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Ao som de Gismonti






Tarde solta
revolta de sorrisos

Acordes em viagem
percorrendo-me.

Coração
percussão de emoções
azuis.

Céu de infância
ciranda de luz.

Instrumento
na pauta dos sonhos
página onde imprimo amor.

Música trazendo harmonia
breve mania
de ser feliz.


Ricardo Mainieri


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Simples tentativa de recriação da música Palhaço
, de Egberto Gismonti, em feição literária.

terça-feira, janeiro 10, 2012

Mediunidade






Convoco
os malditos
a sentarem-se ao redor da mesa.

Temos parentesco
de alma.

Glaúber
Oswald
Dalí.

Mentalizem sua ajuda !

A mediocridade
está dominando o planeta.



Ricardo Mainieri

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Revelações






tessitura
das estruturas
etéreas

pulsante dialética
dialoga
entre espírito & matéria

o peso rarefeito
o sólido que flutua

busca de uma vida
ou bem mais de duas

enigma que se esquiva
de mim
de todos

não compactua.


Ricardo Mainieri

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Carta a um maduro poeta






Amigo poeta, li detidamente tuas colocações sobre a poesia nos meios virtuais e concordo contigo sob certos aspectos.

Existe uma proliferação de material poético escrito no Facebook e outras redes sociais. Boas produções, textos medianos mesclados com um sem-número de poesias de fôro íntimo.

Sinto um clima de urgência nas pessoas, o que resulta, em muitas vezes, num texto, ainda, sem o devido acabamento. Algum material literário, realmente, não vai ir muito além da função catártica das vivências e emoções do autor.

No entanto, a publicação de textos em grupos de adesão literária envolve uma possibilidade de crescimento.

Se a pessoa possuir a necessária humildade de assimilar críticas, de buscar a constante reelaboração de sua poética, seu texto pode sair ganhando em algum decurso de prazo.

Claro, nem todos conseguirão transcender o nível confessional. Alías, a maioria nem quer, mesmo.

No entanto, creio que o poeta que interage com os outros, que se propõe a ver seu texto como um ser mutante, pode sair ganhando nesse processo.

O livro impresso é um Graal que todo o escritor persegue, mas os caminhos que levam a ele, bem que podem passar pelo convívio internético.

Separar a pérola dos excrementos do molusco, eis a tarefa.


Ricardo Mainieri

terça-feira, janeiro 03, 2012

Libelo






Poesia nutre-se
do claro/escuro
desta vida

do casto
& impuro

é iconoclasta
incandescente
visceral

ou nada.


Ricardo Mainieri

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Ferida







Aberta fenda
na camada de ozônio

indefesa

alerta a mente
a vida é uma zona

polu(i)ção
noturna & diurna
de resíduos terminais.


Ricardo Mainieri

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sobre um texto de Paulo de Toledo.
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