mainieri's

quinta-feira, novembro 30, 2006

Viagens sob o signo do sol






Sol alto na manhã. Calor. O suor resvalava pela face.Cruzava o pescoço.Juntava-se ao charco que se tornara seu peito.O digital próximo ao porto apontava 40 graus.Rio de Janeiro.Pleno estio.

O táxi imprimia grande velocidade. Sorte ser domingo.Vias urbanas quase despovoadas.Nenhum sinal de fiscalização.Nervoso, ele clamou ao motorista :

- Mais rápido, meu avião sai ao meio-dia. E o Galeão está longe.

Cruzou a avenida margeando o porto num relance. Ao longe, a Ilha Fiscal se recortava contra o horizonte de um azul irreal. Mais velocidade. O ponteiro já sinalizava 120 km/h.
Deixou para trás o porto.Surgia a sua frente a Av. Brasil. Logo a percorreu. Estava entrando na Linha Vermelha. Voltou a falar ao motorista :

- Cara, sinto te fazer correr, mas deu problema na saída do hotel e me atrasei
- Não esquenta, mermão, a gente chega lá tranqüilo.

Agora, já estava em plena Linha Vermelha, o odor da Baía da Guanabara entrava por suas narinas.
Uma fragrância de coisa podre, empestada. A face pouco glamurosa do Rio. Na outra margem, a Favela da Maré. Felizmente, os bandidos ainda estavam dormindo. Fim-de-semana , sempre é de muito trabalho. Conseguiu chegar à Ilha do Governador. Já divisava a estrada que conduzia ao aeroporto. O coração acelerava , descompassado. Falou entredentes ao condutor :

- Vamos conseguir, caralho, vamos chegar a tempo.
- Falei chefia, eu sou braço na direção.

Como um asteróide cruzou a ala dos vôos internacionais.Mal conseguiu distinguir alguns aviões da American Airlines, ao fundo.Quando voltou a cabeça, já tinham alcançado à área doméstica.Galeão, finalmente. Ou, melhor, Tom Jobim.Infelizmente, o criador de Garota de Ipanema não tinha emplacado este sucesso.Pelo menos, no aeroporto, que na boca do povo atendia pelo velho nome.

- Muito obrigado, cara. Você chegou a tempo.
- Eu sou o cara, mermão. Deixa uns trinta e cinco reais pela viagem.
- Não dá pra ser trinta?
- Trinta e cinco.Vou ter que voltar sem passageiro até o ponto.
- Certo. Valeu , um abraço.
- Outro.

Pegou sua bagagem. À direita, enfileiravam-se carrinhos de transporte. Pegou um e acomodou seus volumes. Deu um sorriso e um suspiro aliviados. Adentrou o paraíso de ar condicionado. Já não suava quase. Apenas, esfregava um guardanapo feito lenço improvisado no rosto. Consultou suas axilas. Tudo em ordem. Passou a mão nos cabelos.
A passos calmos, caminhou pela área de embarque.
Lojas e lojinhas vendendo souvenires. Típicos artigos para gringos. Camisetas do Vasco e do Flamengo.Réplicas do Cristo Redentor. Pratos envernizados.Papagaios e araras em cores escandalosamente cafonas. Seguiu adiante. Queria tomar um café. Depois faria o check-in.

Bebeu um carioquinha. Nome local para o café com uma porção generosa de água, tirando o gosto forte. Pegou suas bagagens, de novo. Dirigiu-se ao local do check-in de sua companhia.

- Olá, vôo para Porto Alegre.
- Olá, pode colocar as bagagens para pesar.
- Dezoito quilos.
- Beleza, então não pago excesso de peso.
- Tranqüilo. O embarque é no portão C, daqui a 30 minutos.

Resolveu dar uma circulada pelo aeroporto. Uma voz feminina chamava os embarques mais próximos. Era uma voz bonita, agradável. Sensual.

- Passageiros do vôo Gol com destino à Belém, dirija-se ao portão D.

A mulher exagerava na languidez. Quase sussurrava as palavras. Imaginou uma loura curvilínea.Seios e pernas opulentas. Lábios carnudos. Batom agressivamente vermelho.

- Senhores passageiros queiram dirigir-se ao portão F. Ponte aérea para São Paulo.

Aquela voz macia. Encantadora. Quem sabe, a mulher de seus desejos. A fêmea lasciva e disponível. Não podia frear sua imaginação.Que, neste instante, atropelava a racionalidade. Precisava conhecê-la. Perguntou a um rapaz que limpava o chão.

- Gostaria de uma informação. Como poderia falar com esta senhora que faz a locução dos horários de vôos.
- O senhor segue adiante. Atravessa aquela área da INFRAERO e bate na porta onde está escrito : Informações
- Muito obrigado

Apressou o passo. Seu coração percutia assustadoramente. Cruzou a área reservada. Já estava chegando à porta indicada. Bateu, de leve. Três pancadinhas. Uma mulher abriu e pediu para ele aguardar um segundo. Ele ,então, fitou o objeto de seu desejo. Uma senhora balzaquiana com maquiagem borrada e rugas em profusão. Levemente gordinha com o cabelo pintado onde se sobressaiam as raízes brancas. Quase caiu para trás , quando ela apossou-se do microfone e falou :

- Vôo para Porto Alegre. O avião já está na pista. Aguarda ordem para decolar.
- O que o senhor deseja, disse ela virando-se ?
- Deixa pra lá.Eu só queria saber onde era o banheiro...


Ricardo Mainieri

segunda-feira, novembro 27, 2006






Flor tece
odor & pétalas
primavera leve
nos ombros.


Sol verte cores
sobre a mesa
na sala.


Sentidos
em f(r)esta
espiam
seus azuis caminhos.


Mente lúcida
cor
ação
movimentos
em sintonia.


Dança das flores
paz em mim.


Ricardo Mainieri

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formatação/ rosa pena

terça-feira, novembro 21, 2006

Espelho




Você que escuta a música
das palavras
invadir o quarto
sente os pingos da chuva
batucarem
num toque nagô.


Sou feito você
habito pelos recantos
onde se destilam
policromáticas emoções.


Que jorram pela cidade
e deságuam
no horizonte
em cristalinas sensações.


São jatos de luz
rasgando a neblina
revelando retalhos do caminho.


Que é meu
teu também
nas esquinas transitórias
do tempo.


Ricardo Mainieri

segunda-feira, novembro 13, 2006

Fotografia digital




A luz
inunda a manhã.


Macia.


Perfumes e sons
encontram-se
na tela do computador.


Magia.


Ricardo Mainieri

quarta-feira, novembro 08, 2006

Vampirismo






Por vezes, você está distraído. Naqueles momentos de reflexão ou de olhar para o horizonte. Assim, meio zen.

Aí, surge a criatura. Normalmente, gentil e frágil ao primeiro contato.

Ele lhe conta das desventuras da vida. De sua falta de reconhecimento. De suas paixões não correspondidas. Lembra um Woddy Allen mais jovem.

Você sente pena, empatia. Começa a consolá-lo.

Ele, como uma criança birrenta, reclama de suas investidas. Reinaugura o mito do amor incondicional. Quer olhos, nariz, ouvidos, pele e boca ligados ao que fala. Hipnotizados, por seu pensamento circular.Deseja uma vida onde só exista outro ego a se dispor inteiro para seus interesses. O superego é um ser muito indesejado.

E você sente-se esgotada. A cada elogio, ele se reforça. A cada puxada discreta nas orelhas, ele se revolta.

E, aí amiga, você não sabe o que fazer. Não lhe resta nem o recurso do conto de Borges, onde diante do inevitável da morte o personagem acorda.

Como um vampiro pós-moderno ele vai lhe sugando as energias. Um dia você explode. E a guerra está declarada.

Ricardo Mainieri