Crônica de Ano Novo

Porto Alegre encolheu depois das Festas. Reduzidos automóveis tomam às ruas. Hoje, calmos, sem a neurótica mania de levar tudo de roldão. Pessoas em passos de passeio. Alguns cachorros.
A temperatura está amena, em pleno verão. Pode-se ver o desfile de amarelos e lilases adornando guapuruvus e ipês. Sardas vermelhas, nos flamboyants.
O ano se inicia. Com ele, talvez a esperança de um mundo melhor. Mesmo em meio a terremotos, algumas guerras, uma que outra tragédia cotidiana.
Pois, dentro de nós, reside a maior área de transformação. Não, em território físico. Falo , apenas, daquelas mudanças em nossos pensamentos, atitudes, condicionamentos. Onde podemos operar com certa liberdade. Ainda...
Embora o mundo externo mostre um rosto cinzento, vou vestir branco e me tornar leve.Parodiando o lema dos Alcóolicos Anônimos : neste dia,por estas 24 horas, tentarei...ser feliz.
Ricardo Mainieri Esta obra foi publicada originalmente na INTERNET, no site http://www.entrementes.com.br/, na revista literária Entrementes, edição 52, janeiro/2004
Carta ao Papai Noel

Sempre fui menino comportado, tímido, cedia meu lugar aos outros, esperava minha vez.Inevitavelmente, um dia, tornei-me homem.
Ainda com alma de garoto, trago a poesia dentro de mim, verde no olhar e imensa curiosidade sobre o mundo.
Olho ao redor e meus contemporâneos não são mais meninos.Esqueceram em alguma árvore, no último campinho de futebol, na festinha adolescente, sua porção-criança.
Andam taciturnos, angustiados, apressados. Dirigem seus carros, sua vida, sua empresa, como se o mundo fosse amanhã implodir em mil pedaços. Conquistam postos no mercado de trabalho, pequenas honrarias, embebedam-se de uísque, cigarro e tédio.Mas, são infelizes...
Olho para eles com minha alma de poeta.Onde, ainda, encontro espaço para brincar com imagens e palavras. Por isso, chamam-me louco, sem responsabilidade, no mínimo esquisito.
Com o correr dos anos, aprendi que esta é minha essência. É pelo que vou lutar até o fim de meus dias neste Planeta.Como seiva vital me alimento, depuro angústias e verto poesia.
Papai Noel, então, te peço. Não afaste esta linda moça chamada Poesia de minha vida. Que ela continue a iluminar meus momentos no breu, fecundar corações desesperançados, ser a voz que clama pela Justiça e Fraternidade.
E que possas espargir esta Beleza, neste Natal, e nos dias vindouros.
Ricardo Mainieri
Adiamento

Deixo
espessas camadas
do sono
cobrirem-me.
O amanhã
precisa vencer
o inverno e a noite.
Bebo
e celebro a alegria
do momento.
Provisoriamente.
Ricardo Mainieri
*** poema-homenagem ao grande poeta português Fernando Pessoa, que, inclusive tem um poema com este nome
Líquido desejo

Arrebento em marés
úmidas, ansiosas
às vésperas de teu corpo.
Ricardo Mainieri
Profund(i)dade

A Lei
mais permanente
é a da Impermanência.
Busquei no Budismo
meu Oriente
e o norte para minhas ações.
De que valem
vaidade & orgulho
consumidos pelo tempo?
Os bens
a plástica do rosto & corpo
o que resta?
Pergunto
ao I Ching
e recebo respostas sábias.
Sereno medito
em meio ao torvelinho
desta vida.
Uma paz imensa me invade.
zen fim.
Ricardo Mainieri