mainieri's

terça-feira, agosto 30, 2011

Navegador de barco de papel





foto clicada pelo autor


O pequeno barco do caderno escolar levanta âncora no bolso do homem sério e triste.

Um homem circunspecto, com tantos casos para decidir.

Quem o vê saindo assim para o trabalho, de manhã cedo, terno, gravata e pasta, não imagina o que leva no coração.

Olha o mundo através das grossas lentes dos óculos, carrega perplexidades e sonhos que ninguém percebe.

O barco de papel desliza entre as vagas do dia pesado e cinza.

O navegador sonha a fuga do real, ao avistar o Guaíba da janela do gabinete.

A cidade vive dentro do rio uma existência invertida. No fundo das águas habitam seres harmoniosos, os gestos são calmos, existe esperança.

O navegador planeja o exílio do mar de conflitos e sofrimentos em que mergulha todos os dias.

No fim da tarde, caminha até a beira do rio, retira o barco do bolso, solta-o na água. Larga a pasta, tira a gravata, o casaco, os sapatos, empurra a embarcação e salta para dentro.

O vento com cheiro de água doce e dos peixes que nela vivem expande a vela rumo ao Sul. Na quilha do barco o colorido infantil dos lápis de cor.

As ilhas observam a absurda solidão das pessoas no continente, a falta de amor, a falta de justiça.

Ele deita-se no fundo do barco, exausto, as mãos atrás da nuca. Olha as estrelas e a lua que aparecem aos poucos no céu. Anseia um lugar em que possa ter tempo pra sentir, pensar, conviver, olhar a paisagem.

Peixes prateados saltam pelos lados do barco, nadando na mesma direção.

O sol se põe.

Estar só no crepúsculo é o de menos.

Difícil é largar o barco dentro d’água, soltar a vela, buscar outras margens.

Difícil é não ser igual à pedra nem se dar por vencido.

No fim de todas as tardes, ele foge com o menino que mora dentro dele.

A felicidade civil de sentar no barco, olhando a cidade de longe, o movimento dos aguapés, a aquarela do pôr do Sol.

O rio abraça a cidade e suas dores.

O navegador do barco de papel presta atenção no ritmo das ondas, nas gaivotas, biguás, reflexos.

O rio está povoado de céu e peixes (sim, há peixes vivos, estrelas e nuvens dentro do rio).

Sinos tangem a música do entardecer sobre as águas do Guaíba.

Outra realidade habita o ermo das coisas.

O coração das pessoas é diferente do que parece ser.

O poder e a vaidade perdem o homem.

Barcos de papel, às vezes, podem salvá-lo.


Jorge Adelar Finatto

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Jorge Finatto é juiz aposentado, jornalista e escritor.
Se gostaram da amostra, visitem seu blog: clique aqui

quinta-feira, agosto 25, 2011

A vingança do poeta





Sem chances
o poeta
persegue seu lugar
na estante.

Espera quem sabe
um concurso
um recurso oficial.

Desiste
com sua poesia não lida.

Pensa
em se juntar à lista
dos poetas suicidas.


Ricardo Mainieri

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sobre um poema de Renan Sanves

segunda-feira, agosto 22, 2011

Selecionados no Concurso Estórias de Trabalho 2011






S E L E C I O N A D O S 2 0 1 1
Concurso Histórias de Trabalho

Neste ano, o concurso Histórias de Trabalho teve 178 inscrições válidas, somando 382 trabalhos entre textos reais, fictícios ou acadêmicos, poesias e imagens. Em sua 18ª edição, os jurados do Concurso Histórias de Trabalho selecionaram 47 trabalhos de participantes de todo o país, para a coletânea que será na 57ª Feira do Livro de Porto Alegre.
Parabéns aos selecionados!

Categoria POESIA

Lavoura Poética - Tatiana Alves Soares Caldas
O circo - Reginaldo Costa de Albuquerque
Os trabalhos e os dias - Juliana Diniz Bernardo
Haikais de um Trabalhador - Fabiano Dôres da Silveira
Dilema na EBTC - Milton Braga da Motta Júnior
Pintor de Paredes - Paulo Rodrigo Nunes Ohar
Helena - Ana Luiza Mariano da Rocha Mottin
Mãos do Homem - Sérgio Bernardo
Piloto de motoserra - Ricardo Mainieri
Trabalhador - Narcélio Lima de Assis


Piloto de motossera

Seiva & sangue
a árvore

t
o
m
b
a

na tarde.

Vai virar
celulose
em mãos ávidas.

A vida medida
em dólares.


Neura






De vagar
estou vago.

Intenso
& só.

Num tenso team
sempre ocupado.

Em infindável
feedback.


Ricardo Mainieri

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inspirado num poema do capixaba Fábio Freire.
Ler blog do Fábio aqui

sexta-feira, agosto 19, 2011

Yin-yang






O sol nascente
não aquece.

Não esquece que por aqui
floresce
meu afeto.

Não importam
os fusos
os confusos humanos

Projeto meu ser no vento
e atento
posso ver-te.

Caminhando
em meio a flocos de neve
e à chuva lilás
das cerejeiras.


Ricardo Mainieri
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do livro inédito "O passaporte de Eros"

terça-feira, agosto 16, 2011

Coisalguma





Para os senhores do mundo
somos coisas.

Seres coisificados
que pagam impostos.

Coisalgumas
que assistem
telenovelas & telejornais.

Que fazem amor
sem arte.

Somos coisas
semoventes
seminovas.

Em liquidação

Coisapenas
no mailing-list dos políticos
e dos spamers de ocasião.

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Sobre um poema de Rubens Jardim. Site oficial do Rubens, neste endereço: clique aqui

segunda-feira, agosto 15, 2011

Onírico






mergulho
no mar abissal
do sono

por vezes
retorno à tona
à manhã


Ricardo Mainieri

quinta-feira, agosto 11, 2011

Com classe






Acorda tarde
sem alarde, o sol já alto.

Na mesa, um capuccino
cookies & corn flakes.

Land Rover na garagem
destino, o shopping-center.

Novidades a esperam na Camicado
na livraria, o Kama-sutra.

Degusta o almoço diet
ídem, a sobremesa.

A tarde por seu turno
se apressa.

À noitinha, maquiagem
da bolsa, saca o batom Lâncome
em divagações pergunta-se
será que hoje ele me come?

Ele, executivo
traz na boca
o hálito da noite.

Deita, dorme, e ressona.

Ela - apenas - sonha...


Ricardo Mainieri

segunda-feira, agosto 08, 2011

Meus versos selecionados para o Poemas nos Ônibus e trens 2011






Segunda-feira começa com boas notícias.
Meu poema Chorando (Porto) Alegre foi um dos selecionados para circular nos ônibus e trens da cidade em 2012.
Com isso vai participar de uma coletânea a ser lançada na Feira do Livro deste ano. Para vocês, o poema vencedor:


O Bar Alasca finou-se
na esquina da Osvaldo Aranha.

Fiquei órfão
de álcool & utopias.

Trattorias saíram a trote.

Restaram saudades
ao sugo & carbonara.

O Teatro Um virou sauna
os cinemas, templos & bingos.

Sobrou pouco, quase nada...

A cidade-espelho
reflete-se, agora,
em minha desesperança.


Ricardo Mainieri
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foto clicada pelo autor

sexta-feira, agosto 05, 2011

Ação ordinária





Findou-se o desejo.

O amor residente
não resiste.

Abandona
seu dono
por ação de despejo...



Ricardo Mainieri

terça-feira, agosto 02, 2011

Lagrimar






Lagrimar
no denso
ou no deserto

dor da lágrima
pálpebra abaixo

sentimentos

e
s
c
o
a
m

sem censura

faxina na alma.


Ricardo Mainieri