mainieri's

terça-feira, novembro 26, 2013

Canto de despedida


quando o sorriso
for chama

a se apagar na tarde


quando lá fora
 nublado
e dentro já escurece

pense num universo
além do imaginado

quando a memória
se dissipa no nada
outro tudo surge inesperado

de uma outra consistência
de um outro tipo de matéria

infinitamente humano.

Ricardo Mainieri

quarta-feira, novembro 20, 2013

Para quem viveu aqueles dias





Anos setenta. Na França, jovens queimavam carros. Americanos faziam festivais de rock com muita psicodelia e contestação à Guerra do Vietnã. Enquanto isso, eu e meus colegas de aula formávamos filas no pátio da escola.

Meninas de um lado, meninos do outro. Momento quase sagrado para cantar os vários hinos de louvor à Pátria e ensaiar para o Desfile da Mocidade. Porto Alegre , bairro Menino Deus.

No país, havia um General de olhos azuis que era torcedor do Grêmio e da Seleção Brasileira. A gurizada o chamava de Garrafazul.
Também existia um ministro gordo de óculos que falava em deixar crescer o bolo para depois distribuir. Para mim ficava bem comer o bolo todo, agora. Melhor se fosse de chocolate...

Tempos de calças boca-de-sino, do primeiro cigarro escondido no banheiro, das descobertas amorosas sob as luzes estroboscópicas dos quase inocentes clubes de bairro.

Enquanto isso, a imprensa falava em "milagre brasileiro" e, vez por outra, apareciam jovens barbudos na televisão, escoltados por militares, que juravam arrependimento aos atos cometidos. E eu nem ao menos sabia do que eles pediam perdão.

Tudo concorria para uma visão alienada. A mídia destacava em letras versais o "perigo do comunismo", o padre, também. Em família, não se conversava sobre política. Nossa preocupação maior era conseguir “furar” os bailinhos das famílias mais abastadas e usufruir das meninas, comidas e bebidas mais apetitosas.

Era uma Porto Alegre, provinciana, de um pesado calor, sem maiores diversões para um adolescente de classe média baixa.
Cidade-carroça como Caio Fernando Abreu a definira num jornal paulistano, provocando a ira da pátria gaúcha.

No entanto, em certo momento, esta existência insípida mudou. Veio o cursinho pré-vestibular, logo adiante a Faculdade de Comunicação e o mundo real foi surgindo. País mergulhado em tons sombrios, com toda sua carga de perplexidade e opressão.

Daí, nunca mais achei graça em Dom e Ravel, Flávio Cavalcante, Amaral Neto e similares. Deixei de usar roupas verde-oliva. Tornara-me, definitivamente, politicamente incorreto aos padrões da época.


Começava a se formar o homem que eu seria e que nunca mais deixaria de ser...

Ricardo Mainieri

terça-feira, novembro 12, 2013

Mortemor















com a dor
        meça

a largura
da lâmina

(inde)vida

que mina
       a vida

que c(r)ava
       a morte

do amor


   temor
      mor



Ricardo Mainieri

sexta-feira, novembro 08, 2013

Acordes cordiais



meu coração lírico

chora
ao mais sutil acorde

emociona-se
com o perfume dos versos

pobre máquina
jóia sensível
incrustada no peito

o mundo é hard
os homens são cold
a vida é agora

contudo ele resiste
e bate em compasso binário

dentro do tempo
dentro do tom.



Ricardo Mainieri

terça-feira, novembro 05, 2013

(Indi)gente





a era de Aquarius
não se anuncia para todos

alguns são refratários a ela

são poucos
no entanto persistentes

e não veem sentido
nos sons estereofônicos
nem em efeitos especiais

o mundo para eles se desenrola
em black and white
dentro da cela das formas fixas
com um perfume empestado de outrora

não vibram integrados
à nova pulsação do planeta
são como exército de autômatos
profetas do apocalipse now

indigentes mentais
que teimam em sua moléstia
e não admitem a cura

impõem limites a sua libertação

pobre gente
que não enxerga a luz da aurora
nem o arco das sete cores

depois que a chuva se vai.



Ricardo Mainieri

segunda-feira, novembro 04, 2013

Tédio dominical



fantástico

é resistir ao domingo


implorando ao sílvio

& aos santos


sem se suicidar

diante da tevê.

Ricardo Mainieri

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releitura de um poema de Valéria Tarelho