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quarta-feira, novembro 20, 2013

Para quem viveu aqueles dias





Anos setenta. Na França, jovens queimavam carros. Americanos faziam festivais de rock com muita psicodelia e contestação à Guerra do Vietnã. Enquanto isso, eu e meus colegas de aula formávamos filas no pátio da escola.

Meninas de um lado, meninos do outro. Momento quase sagrado para cantar os vários hinos de louvor à Pátria e ensaiar para o Desfile da Mocidade. Porto Alegre , bairro Menino Deus.

No país, havia um General de olhos azuis que era torcedor do Grêmio e da Seleção Brasileira. A gurizada o chamava de Garrafazul.
Também existia um ministro gordo de óculos que falava em deixar crescer o bolo para depois distribuir. Para mim ficava bem comer o bolo todo, agora. Melhor se fosse de chocolate...

Tempos de calças boca-de-sino, do primeiro cigarro escondido no banheiro, das descobertas amorosas sob as luzes estroboscópicas dos quase inocentes clubes de bairro.

Enquanto isso, a imprensa falava em "milagre brasileiro" e, vez por outra, apareciam jovens barbudos na televisão, escoltados por militares, que juravam arrependimento aos atos cometidos. E eu nem ao menos sabia do que eles pediam perdão.

Tudo concorria para uma visão alienada. A mídia destacava em letras versais o "perigo do comunismo", o padre, também. Em família, não se conversava sobre política. Nossa preocupação maior era conseguir “furar” os bailinhos das famílias mais abastadas e usufruir das meninas, comidas e bebidas mais apetitosas.

Era uma Porto Alegre, provinciana, de um pesado calor, sem maiores diversões para um adolescente de classe média baixa.
Cidade-carroça como Caio Fernando Abreu a definira num jornal paulistano, provocando a ira da pátria gaúcha.

No entanto, em certo momento, esta existência insípida mudou. Veio o cursinho pré-vestibular, logo adiante a Faculdade de Comunicação e o mundo real foi surgindo. País mergulhado em tons sombrios, com toda sua carga de perplexidade e opressão.

Daí, nunca mais achei graça em Dom e Ravel, Flávio Cavalcante, Amaral Neto e similares. Deixei de usar roupas verde-oliva. Tornara-me, definitivamente, politicamente incorreto aos padrões da época.


Começava a se formar o homem que eu seria e que nunca mais deixaria de ser...

Ricardo Mainieri

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