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segunda-feira, maio 15, 2006

Das longas esperas







Reginaldo tinha a noção do dever cumprido. Completara 35 anos de serviço na Repartição Pública e os colegas organizaram uma festa-surpresa.

Olhava aqueles rostos familiares. Todos em volta da mesa: companheiros de longas jornadas, a estagiária bonita e cobiçada, chefes de sorrisos amarrotados, Embora estivesse alegre, não se enganava com tapinhas nas costas e elogios protocolares. Sabia que trabalhara duramente, exercendo tarefas além de suas atribuições.

Por isso, neste último dia, ingressara, sorrateiramente, com uma reclamatória trabalhista, exigindo direitos retroativos ao tempo de lotação naquele Setor de Serviços Gerais. Acreditava que, em breve, teria direito a uma polpuda quantia que iria lhe permitir viajar e usufruir sua vida de aposentado sadio e solteiro.

Assim terminada a homenagem, recolheu os presentes e foi amarfanhado por mais abraços e marcas de batom. Despediu-se de todos, prometendo voltar de vez em quando.

Alguns meses depois, seu advogado telefonou :
- Reginaldo, a audiência de sua reclamatória está marcada para amanhã, às 14 horas, no Fórum Central
- Doutor o que eu faço.
- Diga que trabalhava sem equipamentos de segurança em atividades de limpeza e que carregava volumes contendo valores.
- É suficiente doutor?
- O resto você deixa comigo
- Ok, obrigado doutor.
- Até a audiência
- Até mais, doutor.

O desempenho do advogado foi um sucesso. Conseguiu provar ao juiz que a empresa não tinha cuidados com a segurança pessoal de Reginaldo, atribuindo-lhe tarefas sem os devidos adicionais de periculosidade e insalubridade. Reginaldo, também, manteve uma posição firme e passou a impressão de pessoa honesta e explorada.

Alguns dias de espera e o veredicto. A empresa fora considerada incorreta e deveria ressarcir ao funcionário dez anos de adicionais de insalubridade e periculosidade, com as devidas correções.

Reginaldo e o advogado estavam comemorando, quando receberam a informação de que a empresa havia recorrido a uma instância superior. E que o pedido tinha sido acatado.

- Poxa, doutor, o que a gente faz?
- Vamos entrar com a documentação de novo e esperar uma nova audiência.
- Obrigado, doutor.

Dois anos se passaram. Alguns ex-chefes cruzavam na rua e não cumprimentavam Reginaldo, por causa da reclamatória. Ele procurava demonstrar indiferença, no entanto se envergonhava internamente.

Então, houve novo telefonema do advogado.

- Reginaldo, temos audiência marcada para a semana que vêm, dia 14/05, às 16 horas, no Fórum Estadual.
- Vamos lá, doutor, desta vez a gente ganha...
- Esperamos...

E se foram para o novo encontro com o juiz. O advogado da empresa, desta vez, veio armado de argumentos mais contundentes. Trouxera um colega de trabalho para testemunhar contra Reginaldo. No entanto, seu hábil advogado dizimou um por um os pontos levantados. Ao final, a reclamatória foi aceita e a empresa condenada a pagar, com os devidos juros e correção.

Novamente, a empresa recorreu. Desta vez ao Supremo Tribunal Federal, última instância possível.

Vários anos se passaram. Neste meio tempo, o advogado ingressou na política. Dentro do Poder tornou-se uma pessoa distante. Cercou-se de assessores e resolveu enriquecer. Foi preso por suborno e corrupção. Deste modo, teve de procurar outro colega e arrolar documentos para quando fosse a ocasião.

Neste mesmo ano, o Supremo julgou sua causa. Dez anos passados e ele, finalmente, teve o veredicto. A empresa devia preparar um precatório e destinar verba para cobrir os valores da causa elegendo o próximo ano como período de pagamento. Assim foi feito.

No entanto, chegado o ano do recebimento dos valores, a Prefeitura atestou recursos escassos e transferiu para o próximo exercício o pagamento. E assim foi feito nos anos seguintes, até o final do mandato do Partido na Prefeitura Municipal.

Dias desses a estagiária, hoje uma senhora concursada na Repartição onde Reginaldo trabalhara, chamou os colegas.

- Vejam, no Diário Oficial estão informando a morte de um inativo que trabalhou aqui, o seu Reginaldo, o ex-contínuo. Coitado!

Coincidentemente, uma semana depois, foi encaminhado à Tesouraria o aviso do pagamento de seu precatório...


Ricardo Mainieri

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