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quarta-feira, novembro 16, 2005

Reflexões urbanas



Adentro o ônibus. O homem nervoso me empurra, tentando ocupar um dos bancos gratuitos. Abruptamente, encontra um assento ao lado de uma moça.Exaltado com sua pouca educação, penso em lhe dirigir uma agressão.Desisto.

Começo, então, a me deslocar pelo corredor apertado.Busco transpor a roleta e me dirigir a um banco vazio.Olho, rapidamente, o entorno.A jovem ao lado do mal-humorado deve ter uns vinte anos.Pequena e compenetrada tem uma criança ao colo.Faço um close na criança.Seu rosto pequeno revela traços de mongolismo.Por esta razão ela e a mãe ocupam os bancos dianteiros.

Chocado, vejo o carinho que ela destina à pequena e disforme criatura.Parece embalar um ser perfeito.Plena de atenções esquece o senhor rebugento que viaja impassível a seu lado. Nem percebe os barulhos do trânsito e das engrenagens do coletivo velho e lento.

Reflito. Para as mães todos os filhos são iguais.Deficientes ou perfeitos, um sentimento incondicional preenche o coração materno.Imagens surgem na mente.Penso na moça descobrindo a gravidez.Nos primeiros meses de enjôos.Na dúvida sobre o sexo do bebê.Na ecografia, e a notícia da deformidade.Na conversa tensa com o médico. O medo de comunicar à familia.

Quando me dou conta, o ônibus já avançou vários pontos em relação ao meu destino.Procuro a saída e aterrisso, suavemente, na calçada.

Percebo, então, ao invés de uma raiva cotidiana pelo atraso e desconforto, um sentimento azul.Blue como a blusa que uso, como o céu que espera, lá fora, esta mãe e sua criança.Apresso o passo, algo em mim diz que a realidade vai virar Literatura...

Ricardo Mainieri

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