mainieri's

quarta-feira, junho 29, 2005

Andar a cidade


Há um grande número de pessoas que não conhece a cidade em que vive. Não falo dos caminhos diários - casa-trabalho-escola - e sim de outros bairros, dos arredores rurais, das ruas paralelas às avenidas, daquela rua a duas quadras da sua casa e que você nunca viu onde ela terminava, se terminava.

Não sei bem por que as pessoas não têm esta curiosidade. Não concebem a cidade em que moram com olhos de estrangeiro, não de turista, que este só gosta dos pontos óbvios, mas de estrangeiro andante que investiga vielas, ruas sem saída, beirais e jardins. Que gosta de se perder. É como se fosse proibido visitar a cidade em que se mora.

As cidades catarinenses ainda permitem este luxo. Não temos metrópoles com sua violência intrínseca. Até nossas cidades maiores ainda conservam aquela alma provinciana, que se lhes atrasa um pouco a vida, lhes concede uma delicadeza ímpar.

Talvez por meu olhar de poeta ser mais adestrado na busca de algo que desestabilize a normalidade, sempre fui dono desta curiosidade, desta vontade de vasculhar o urbano. Percebo que muita gente anda quilômetros por dia, mas centrada em si, sem abstração, distração, sem olhar para os lados.

Provavelmente ao serem perguntadas sobre o que viram, dirão: "Vi meu umbigo".

Por falta deste "andar a cidade", mais do que "andar na cidade" é que elas sejam muitas vezes impiedosamente maltratadas. Aqui, na "manchester", existe uma certa apatia nos habitantes quando um prédio histórico é derrubado, ou pior, é pintado de roxo e lhe tatuam um neón amarelo na fachada, ou uma praça que fica anos abandonada, servindo apenas para depósito das sujeiras vindas com as cheias do rio. E muitas áreas de lazer nos bairros deixadas de lado pelo poder público e pela própria população. E calçadas esburacadas ou inexistentes. E o mirante?

Um local de evidente força turística, entregue à ferrugem e tragicamente encarcerado pelas torres de televisão e celular. Prenderam nosso mirante. E quantos joinvilenses sabem ou se importam com isso?
É esta falta de consciência coletiva, esta incapacidade de tratar a cidade como extensão da própria casa, (pare meia hora numa esquina qualquer e observe quanto lixo é jogado no chão) o que faz com que sejamos desde sempre um País de terceiro mundo. A solução desses problemas talvez esteja naquela máxima, um tanto batida mas verdadeira: "só se ama o que se conhece".


Rubens da Cunha, escritor joinvilense.
Publica todas as quartas-feiras no jornal A Notícia,
de sua cidade, no tópico Crônica.
Prestigiem o rapaz acessando o site : A Notícia - Rubens da Cunha

segunda-feira, junho 27, 2005

Natura(l)mente



Flor & fragrância
flutuam cores matinais :
olhos de primavera.

Ricardo Mainieri

quinta-feira, junho 23, 2005

Manhã sobre a baía




Um barco solitário na baía

acorda-me todo dia,

do alto do meu prédio amanhecido

barco, solidão, poesia.



Estico o dedo vário

e longe toco o barco imaginário,

do alto do meu prédio amanhecido

meu poema solitário.



Um barco moroso e solitário

navega à poesia

do alto do meu prédio imaginário

luz, velame, baía.



** Enzo Carlo Barrocco

** Enzo é um poeta paraense de fino trato com a palavra.

terça-feira, junho 21, 2005

Exclusão



Somo-me
aos excluídos
com a consciência
que eles não portam.

Eles portam armas
almas maltrapilhas
o ódio vertendo
dos poros.

Já não me importam utopias.

Parto
desorientado.

O futuro em gestação.


Ricardo Mainieri

layout - Ana Peluso

segunda-feira, junho 20, 2005

Flerte solar

















O sol
sem convite
visita a moça da janela.

Desfaz a tristeza.

Fecunda-a de luz.

Enamorada
ela se debruça na manhã.

Plena mulher.


Ricardo Mainieri

quinta-feira, junho 16, 2005

Periferia

rap no rádio
rapto & extorsão
um AR-15 invade a mente...

Ricardo Mainieri

quinta-feira, junho 09, 2005

Misérias cotidianas






Ultimamente andava preocupado. Dívidas e dúvidas lhe atormentavam. Perdera sua chefia e o dinheirinho a menos, pesava no bolso.

Os meses pareciam mais longos. Dias se repetiam. Surpresas, só as desagradáveis.

A mulher, desempregada, não lhe dava trégua. Cobrava direitos, engordava descaradamente e, por último, se dedicava com afinco à novela das oito.

Eventualmente, faziam amor.Sem mais aquele tesão da juventude.Como dizia a velha piada, ela lhe exigia um orgasmo.E ele não podia gracejar
dizendo : "logo , agora, que as lojas estão todas fechadas..."

Hoje, porém, acordou com esperança.Tênue, diga-se de passagem.Vestiu-se apressadamente e embarcou no ônibus de sempre. Mesmo não sendo mais chefe, estava ansioso para chegar ao trabalho.

Adentrou a sala, velozmente.Os colegas estranharam tanto ímpeto. Sentou-se diante do computador. Nem consultou seus e-mails, como fazia de forma habitual.Entrou direto na INTERNET. Acessou o site : http://www.receita.fazenda.gov.br.

Logo apareceram o logotipo e os links disponíveis.Clicou na parte de Pessoa Física. Inseriu o número de seu CPF e deu enter.Uma ansiedade avassaladora se apossou dele : o link não abria. Repetiu várias vezes a operação.De repente, a resposta: Sua declaração ainda não está na base de dados. Favor consultar o próximo lote.

Caiu, fulminado.

Ricardo Mainieri

terça-feira, junho 07, 2005

Alquimia


Viver
requer certa alquimia.

Receber
a bruta matéria
cotidiana
conciliar opostos
e depurar
a essência.

É o que nos move
nesta luta diária
& insana.

Ricardo Mainieri